A sala era ampla e acolhedora. Mesa em madeira de lei, iluminação intimista, paredes revestidas, cadeiras em couro preto, combinando com os demais detalhes do interior daquele ambiente de muitas decisões. Numa das paredes há uma fotografia emoldurada do fundador.

Era a terceira geração daquela reconhecida marca do segmento metalmecânico. O board da empresa era formado, em sua maioria, por membros da família. E aquela era, de toda a história da companhia, a crise mais grave já enfrentada em quase 80 anos de atividades ininterruptas.

O assunto que nos trouxe àquele encontro, como imaginávamos, era o de desenhar novos processos internos e mercadológicos, a fim de melhorar os resultados (ou de minimizar os prejuízos daquele período fatídico). Nos quase 120 minutos de reunião, conduzida pelo diretor-presidente, o assunto era o de compreender o que estaria ocorrendo.

As análises estavam pautadas nos bons exemplos e, também, no levantamento de críticas pela má conduta de outras conhecidas empresas, concorrentes ou não. Os interlocutores citavam: determinada empresa do segmento de transportes havia acelerado a produção, ao invés de recuar durante o período da pandemia. “Esta estratégia foi oportuna, pois na retomada de mercado havia produtos à pronta entrega”. 

Outro descrevia o sucesso na escolha da internet como canal de vendas de uma empresa de mobiliário, eliminando o peso do canal tradicional. 

Um dos executivos apontava os resultados do balanço de uma companhia instalada nas proximidades. Enfim, a maior parte das análises dizia respeito apenas a terceiros. Nenhuma análise a respeito do próprio negócio havia sido trazida à tona. Todas as opiniões diziam respeito a terceiros.

Você tem poder sobre a sua mente, mesmo quando não tem sobre os fatos externos. Compreenda essa lição, e você encontrará toda força de que precisa.

Marco Aurélio – Imperador Romano 121 d.C.

O diagnóstico preliminar apontava com facilidade para o principal problema da companhia: o FOCO. Por mais simplista que pareça ser esta narrativa, é assim mesmo que acontece nos bastidores de negócios de uma consultoria empresarial. Muitas vezes, executivos e empresários distorcem a realidade, dedicando tempo precioso naquilo que acontece com os seus semelhantes. Muito parecido com a velha máxima “a grama do vizinho é sempre mais verde”. 

Além desta grave distorção, temos como consequência, ainda, a insistente tentativa de expandir, de modo irracional, as linhas de produtos, ocasionando a chamada “crise do crescimento”, em que se verifica um verdadeiro inchaço no portfólio de produtos e processos fabris, estoque, embalagens, logística, comunicação, etc. No frigir dos ovos, vai-se o resultado operacional. 

Vivemos em um mundo globalizado, onde toda a espécie de informações está disponível em apenas alguns “cliques” no Google. Podemos afirmar que, mais de 80% das informações mais importantes de qualquer companhia global, estão inteiramente disponíveis na internet. Com tanta informação, podemos facilmente perder o foco, sendo levados ao embriagamento decisório, fazendo valer ideias que não necessariamente farão sentido para o negócio.

Daniel Goleman, em seu best seller, Foco, o motor oculto da excelência, este processo é inevitável, exigindo de cada um, esforço contínuo. Ainda, segundo o autor, não devemos reduzir os pensamentos e os debates apenas no volume de informações que chegam até nós diariamente. É imprescindível, portanto, manter a atenção naquilo que é realmente importante e vital para alcançar metas pessoais e nos negócios.

Sem dúvida alguma, devemos agir de modo proativo em nosso mercado de inserção. 

Expandir fronteiras é importante, encontrando adjacências que nos levem a maior competitividade, inovação e participação de mercado. Porém, não devemos nunca abrir mão de nossas raízes. 

Segundo Goleman, nosso cérebro possui dois sistemas mentais semi-independentes, com características próprias. Para desenvolver o FOCO, é vital diferenciá-las:

Estratégia bottom-up (algo como “de baixo para cima”)

  • Possui alta capacidade de processamento, agindo de forma involuntária. Não percebemos o seu funcionamento.
  • É rápida e usa pouca energia: geralmente assume o comando.
  • Gerencia a forma de como percebemos o mundo.
  • É intuitiva: processa informações por associação.
  • É impulsiva: guia-se pelas emoções.
  • Funciona em modo multitarefas e filtra nossa percepção para o que ela julga relevante.

Estratégia top-down (modelo gerencial cujas decisões ocorrem de cima para baixo)

  • É onde reside a nossa consciência.
  • Dela  depende  a  nossa  capacidade  de  reflexão, autoconhecimento, decisão e planejamento.
  • É mais lenta e consome esforço e energia para ser utilizada, já que não é capaz de trabalhar por muito tempo sem pausas.
  • Aprende  novos  modelos,  planos  e,  parcialmente,  toma conta das nossas respostas mentais automáticas.
  • Processa apenas uma informação de cada vez.

A disciplina e o autoconhecimento são imprescindíveis para que se evite eventuais escapes na linha de conduta e na manutenção daquilo que se propõe nas etapas estratégicas de um negócio. 

Hábitos e o treinamento das equipes também são muito bem-vindos neste quesito, pois uma equipe disciplinada, tende a melhorar dia a dia, aperfeiçoando constantemente decisões e execução de tarefas. 

Mindfulness, ou atenção plena: Deixar de executar tarefas no automático é o que propõe a técnica Mindfullness, permitindo que façamos escolhas mais conscientes. Esta ferramenta, oriunda da tradição budista, há mais de 500 anos antes de Cristo, é cada vez mais presente no dia a dia das organizações. Em meio à avalanche de informações, ao excesso de tarefas, aos desafios cada vez mais complexos, o mindfulness, além de trazer resultados para o negócio, ainda ensina o hábito de preservação do foco, reduzindo consideravelmente os níveis de estresse, este último, problema crônico que envolve a maior parte dos executivos das organizações empresariais.

A experiência tem nos ensinado que o melhor ponto de vista sempre é o de fora para dentro de uma organização. Devemos procurar sempre esta perspectiva e também os valores dos consumidores e clientes, pois, afinal de contas, é para eles que estamos trabalhando e é deles a origem dos recursos financeiros que sustentarão e permitirão a devida lucratividade da empresa por meio do processo de compra e venda. E também, estabelecer uma visão clara do core business empresarial, evitando passos fora do território que habitamos. Caso seja esta a decisão, proteja sempre a atividade principal e os produtos que sustentam o negócio, correndo o risco de dissolução do core.

Foco e disciplina são forças motrizes do gestor de excelência. Do contrário, o escoamento da riqueza e do tempo serão inevitáveis.

Fontes: Goleman, Daniel – Autor, Zanon, Cássia, Tradução – FOCO – A atenção e seu papel fundamental para o sucesso. Editora Objetiva