O relógio apontava para às 7h13min com exatidão. O horário habitual de ida ao trabalho indicava mais um dia na rotina matinal, não fosse a decisão de chamar um motorista de aplicativo, naquela manhã chuvosa de inverno. Seria mais agradável ser levado a empresa, do que procurar vaga no estacionamento.

O simpático motorista, ao colocar o veículo em movimento, logo começou a relatar a sua angústia profissional. De meia idade, era certo que estava nesta atividade provisoriamente. Dizia-me, enquanto observava atentamente o trânsito, que, há mais de 15 anos, trabalhava como eletricista industrial. E, além disso, havia aprendido a profissão com o seu pai, hoje aposentado. Estava tenso, pois, o que amava fazer e, segundo ele, fazia melhor do que “muitos engenheiros formados”, estaria sob riscos.

Sua história parecia que havia sido encomendada, pois expressava com exatidão a mesma angústia que eu vivia, porém do outro lado do balcão, como gerente de RH de uma importante empresa nacional. O dedicado motorista confessava-me que a vaga que estaria pleiteando, estava sob risco, pois a empresa exigia que, mesmo ele, com a sua vasta experiência técnica, precisaria defender o seu curriculum através de uma apresentação formal em powerpoint. Aquela simples tarefa, relatar suas habilidades e experiências em um computador, estaria colocando em cheque a sua carreira, pois ele jamais havia passado por tal desafio – suas habilidades diziam respeito a lidar com instalações elétricas, não por entre mesas de escritório, computadores e softwares. Mais do que isso, realizar uma defesa de suas habilidades a uma “banca” na empresa em questão, jamais havia sido imaginado por ele. 

A realidade é paradoxal, o que seria mais importante para a empresa: contratar um profissional experiente, ou alguém formalmente hábil em powerpoint?

A breve narrativa acima demonstra apenas um dos ângulos dos inúmeros desafios, para ambos os lados, empregadores e empregados, na busca, qualificação e metodologias utilizadas na construção do conhecimento, visando equilibrar oferta e demanda de vagas no mercado de trabalho, de forma a atender às exigências atuais aos profissionais e empresas. Exigências estas, criadas em função da transição entre funções, incorporação da automação e a crescente digitalização dos processos formais de trabalho, exigindo profissionais mais completos, ultrapassando as fronteiras do desempenho estritamente técnico.

O modelo de educação escolar centrado na figura de um professor como transmissor do conhecimento cresceu ao longo dos séculos XVIII e XIX, impulsionado pela Revolução Industrial e a consequente urbanização e aumento demográfico. A sociedade e suas demandas transformaram-se radicalmente nos últimos dois séculos, porém a curva gráfica dos avanços tecnológicos e do ensino, destoam enormemente, principalmente nos últimos anos. Há, inequivocamente, enorme “delay” entre elas.  Há muito o que se fazer diante desta realidade. As novas tecnologias demandam profissionais preparados e com o devido conhecimento. A entrada de jovens no mercado de trabalho, e as mudanças que estão ocorrendo nos cargos dos profissionais já inseridos, estão provocando uma série de transformações no ambiente. E deixando uma lacuna entre demanda e oferta de trabalho. E, se já não bastasse, houve um aprofundamento nas mudanças, face ao avanço da COVID-19. Estas últimas, foram tão profundas que, inclusive, acreditamos que deverão gerar, por força da realidade, alterações na atual Legislação Trabalhista, que, diga-se de passagem, foi originalmente decretada em 1º de maio de 1943.

Diante de tantas e tão profundas transformações, recomendamos jogo de cintura, foco no médio-longo prazos, ações pontuais no aqui e agora e muita, muita sabedoria, a fim de, não somente mantermos postos de trabalho ativos e qualificados, mas a manutenção da competitividade industrial, pois diga-se de passagem, corremos o risco de perdermos o bonde da história, na competição internacional.

Atente-se:

O trabalho, propriamente dito, é o mesmo. Muda apenas quem o realiza. Desta forma, restam duas opções: manter a todo custo quem o realiza, ou atrair um substituto experiente. Como opção a este paradigma, propomos desconstruir e reinventar o trabalho, tornando-o mais atraente para as pessoas, dando maior valor para a organização. Ao consultar o lado da oferta, as empresas perguntam: “Como encontrar ou desenvolver um talento que se encaixe em uma futura automação?”

Sob o prisma da demanda, a pergunta poderia ser: “Como reconstruir o trabalho para que pessoas executam determinadas tarefas, enquanto outras são automatizadas? Segundo os autores Ravin Jesuthasan e John W. Boudreau o ideal seria “dividir cargos em tarefas”. Desta forma, dividir a função seria a melhor maneira de repensar o trabalho. “A desconstrução do cargo pode ajudar a achatar o lado da demanda com um novo sistema operacional de trabalho, ágil, inclusivo e resiliente. 

Assim sendo, sob o prisma do empregador, a fim de reconstruir o trabalho para que pessoas executem certas tarefas enquanto outras são automatizadas, o melhor seria:

*Descubra Habilidades

Nessa proposta, as organizações vão além dos cargos e dos funcionários, e o recrutamento vai além de achar o candidato certo para uma vaga. As perguntas são: que tarefas o cargo exige? Que profissionais são qualificados para realizar as tarefas? Como as tarefas podem ser desdobradas e reagrupadas?

Desconstruir e reconstruir o trabalho, otimizá-lo em relação às qualificações do profissional, exige um sistema que veja cada pessoa como uma gama de habilidades e conhecimentos, em vez de donos de diplomas ou currículos.

Isole e reatribua tarefas

Reduzir automaticamente a rigidez dos cargos amplia o pool de talentos com que contar. Mas isso exige isolar os elementos relevantes do trabalho – tarefas, atividades ou projetos.

O setor de healthcare é um bom exemplo de como a mudança de foco pode compensar a falta de mão de obra. A Providence Health & Services, provedora católica de serviços de saúde, sem fins lucrativos, que administra hospitais em oito estados americanos, enfrentou a falta de enfermeiros desmembrando essa função. A empresa observou que o trabalho incluía tarefas que realmente exigiam habilidades resultantes da educação formal em enfermagem. Mas um bom tempo era gasto em tarefas banais, como tirar a temperatura do paciente e registrar informações em seus prontuários. Essas tarefas não só geravam custos como reduziam o engajamento e a satisfação dos profissionais formados.

Essa situação foi aceitável enquanto a demanda era estável e havia uma oferta compatível de profissionais. Mas com a falta de enfermeiros, ficou evidente que eles não podiam gastar tempo em tarefas secundárias. Ao desmembrar o cargo de enfermeiro, a Providence identificou tarefas e atividades que poderiam ser desempenhadas por assistentes e estagiários. Isso levou à criação de um papel que não só liberou os enfermeiros diplomados, como criou um pipeline de profissionais habilitados.

Tenha mais agilidade

Com esse sistema, a empresa ganha a capacidade de encontrar talentos com mais facilidade e também flexibilidade para enfrentar desafios operacionais ou adotar novas tecnologias.

Os líderes podem repensar os processos de forma mais abrangente ao desmembrar cargos. Inovação rápida em áreas como IA e robótica exige mudanças de processo e workflow que costumam ser rápidas demais para os sistemas tradicionais. As empresas às vezes presumem que basta a tecnologia substituir trabalhadores. Ou que o trabalho naturalmente se ajusta à nova tecnologia. Mas falhas de adoção e processo podem surgir se o fator humano não for considerado.

*Fonte:

Ravin Jesuthasan e John W. Boudreau (Artigo original MIT Slolan Management Review – Junho/2022

Livro Work without Jobs dos autores citados, ainda sem tradução para o português.