Mais tecnológicos, nem por isso, menos autênticos.

Voltei do Web Summit Lisboa 2025 com uma bagagem repleta de novas informações e ideias. Foram dias intensos, repletos de insights maravilhosos sobre temas que estão moldando o nosso futuro. 

Vivi experiências especialmente gratificantes e surpreendentes, como quando entrei, quase por acaso, em um painel conduzido por três palestrantes que, juro, o mais velho não tinha mais do que 18 anos. São mentes brilhantes, cientistas, que chegam com visão, entusiasmo e novas formas de interação mediadas por ideias e tecnologias surpreendentes.

É uma nova geração que conhece seus potenciais, mas que também reconhece que são as gerações anteriores que detêm a experiência. E tecnologia sem experiência perde o sentido.

E o que mais me chamou atenção foi que, apesar de mais tecnológicas, essas propostas não soam menos humanas. Pelo contrário. Em todas elas, percebi um esforço genuíno para que o potencial das pessoas se torne ainda mais central, mais relevante, mais consciente, mais responsável.

Quando dispomos de recursos que facilitam as nossas vidas, de ferramentas que tornam o dia a dia mais produtivo, não nos tornamos apenas mais eficientes, mas passamos a ser mais exigidos.

A tecnologia cria um espelho que nos traciona para cima: expõe lacunas, evidencia fragilidades e eleva, e muito, o nível esperado de competência. É nessa ascensão que ganhamos não apenas mais clareza de propósito, mas, sobretudo, maior capacidade de nos conectar a ele com propriedade.

É preciso conhecer o negócio, compreender seus processos e entender o contexto. A tecnologia cumpre a parte dela, com escala, velocidade e precisão. O que ela não fará por nós é substituir entendimento, julgamento e responsabilidade humana. É aqui que a exigência aumenta.

Caso contrário, não saberemos identificar a real necessidade de aplicação, tampouco o retorno que o investimento pode oferecer. Gerar dados e entregá-los às equipes exige mais do que acesso à informação: exige a capacidade de análise, aplicação em tempo adequado, consciência da realidade e compreensão clara dos recursos disponíveis. Sem nunca perder de vista o humano que pensa, sente e reage.

Isso eleva o nível de exigência. Competência e profissionalismo deixam de ser desejáveis e passam a ser essenciais. Não podemos, nem devemos, imaginar que será possível terceirizar nossas competências para a tecnologia. Ela pode pensar conosco, mas não pode sentir por nós. Ela nos estende os braços, amplia possibilidades. Mas a decisão, o julgamento de valor e a responsabilidade continuam sendo humanos.

Estaremos, progressivamente , orientados por dados. Poderemos utilizar o histórico, cruzar variáveis e definir a cadência que desejamos. As IAs aderem aos nossos compromissos, agregam informações e nos apontam caminhos novos, muitas vezes, pouco imaginados. Mas é preciso lembrar: quando os dados viram comandos automáticos, sem contexto, o risco não é técnico. É humano.

Tecnologias falham quando as pessoas não se reconhecem nelas. Mudança não é apenas adesão à ferramenta, é, sobretudo, construção de sentido. As pessoas precisam compreender essa nova camada para que a gestão da mudança aconteça de forma efetiva.

Promover mudanças positivas exige método, ou seja, comunicação aberta e transparente; treinamento e capacitação para novas abordagens, motivação para o aprendizado contínuo e, principalmente, apropriação e comprometimento das pessoas com o processo de transformação.

Inovação corporativa, portanto, não é sobre tecnologia, mas sobre cultura e pessoas. Processos orientados por dados dão forma a essa lógica. São dinâmicos, estruturam a execução e oferecem o passo a passo necessário para transformar a intenção em ação.

É quando os dados são embarcados nos processos que a tecnologia revela seu melhor uso. Suposições perdem espaço. Surgem rotas claras, critérios definidos e cadências possíveis. A decisão deixa de ser intuitiva no escuro e passa a ser orientada. 

A massa de dados, combinada às variáveis do negócio, aponta caminhos e sustenta a entrega. Trata-se de um somatório de inteligências, humanas e tecnológicas, que cria base para uma inteligência estratégica capaz de permear toda a organização.

Os talentos precisam compreender que a adaptação às mudanças não é uma opção. Esse é um ponto crítico. Muitas organizações ainda operam a partir de práticas antigas, sustentadas por acomodação e vícios históricos. A pergunta que se impõe é simples: onde está a flexibilidade para se adaptar a esse novo contexto?

Dados são o combustível que mobiliza pessoas e decisões. No entanto, o que ainda encontramos em muitas organizações são profissionais trabalhando com poucos dados, apoiados majoritariamente em subjetividades. Quando começamos a desmontar esse modelo, substituindo suposições por dados, a eficiência deixa de ser um objetivo abstrato e passa a se tornar uma aliada concreta da ação.

Automação sem propósito é apenas eficiência sem significado. Os novos organogramas nas organizações mostram, cada vez mais, que as pessoas não enxergam valor na rigidez das estruturas tradicionais. O que se torna fundamental é o trabalho em times orientados por propósito, não por pacotes hierárquicos.

Isso exige apropriação consciente desses novos modelos. Mais do que redesenhar estruturas, é preciso trazer as pessoas da operação para o centro da conversa, tornar visível o sentido das mudanças e demonstrar como cada papel contribui para o todo. Sem essa conexão, qualquer reorganização, por mais moderna que pareça, permanece superficial.

Em uma organização, são poucas as pessoas que podem trabalhar de forma autogerenciável. E este é um exercício para a liderança. Cabe a ela sustentar o sentido, quando a tecnologia se acelera, definir limites, priorizar critérios e proteger o humano da automatização cega. Sem essa mediação consciente, a tecnologia avança mais rápido do que a cultura consegue sustentar. 

Tudo converge em uma constatação simples, embora imprescindível: a tecnologia não nos substitui. Ela nos expõe. Evidencia escolhas, lacunas, maturidade enquanto organizações. E também como profissionais,quando bem utilizada, amplia capacidades. Quando mal mediada, acelera fragilidades.

A transformação que realmente importa não está nas ferramentas adotadas, mas na forma como pessoas, liderança e cultura conseguem sustentar propósito em meio à velocidade. Quando isso acontece, a tecnologia vira prática, dados viram orientação e o propósito passa a guiar melhores decisões. Afinal, são as decisões, não as ferramentas que definem os caminhos que escolhemos seguir.

Por Silvana Tiburi Bettiol

Para quem quiser aprofundar esse olhar, recomendo ouvir trechos da conversa com Silvana Tiburi Bettiol, que inspirou este artigo. Em sua fala, esses temas ganham ainda mais clareza, densidade e humanidade. Não como teoria, mas com a experiência de quem vai lá e faz.