O ano foi revolucionário. Mudamos.
Durante duas décadas, trabalhamos dentro de uma construção antiga, apertada, cheia de adaptações improvisadas. Puxadinhos, passagens estreitas e acesso difícil por estarmos longe da zona industrial.
E fizemos isso em um ano intenso.
Transferir uma fábrica de componentes em plena produção, com pedidos programados para 90 dias à frente, parecia uma missão impossível.
Mas fizemos.
Investimos pesado na infraestrutura do novo pavilhão e, pouco a pouco, trouxemos a operação para cá.
Primeiro dia no novo escritório: impecável!
Mobiliário novo, cadeira zerinho. Cheiro de começo.
Até que, ao tentar conectar o notebook, a surpresa:
as tomadas são todas de três pinos.
Simples, trivial. Mas completamente incompatível com o que eu tinha em mãos.
Frustrante. E, de algum modo, familiar.
É a mesma frustração que venho sentindo há meses ao observar minha equipe, e todas as outras, trabalhando em planilhas de Excel mesmo depois do enorme investimento que fizemos em ERP.
Um esforço não somente financeiro, mas também estrutural. Este é um problema clássico: sistemas funcionam, mas não se adaptam à nossa realidade.
Nossa organização possui uma liderança cheia de energia.
São pessoas capazes de impor o ritmo, mobilizar, orientar e, principalmente, conceder autonomia.
Há uma orientação clara: queremos uma empresa que funcione de forma descentralizada, com decisões que permeiem toda estrutura, e não que dependam de reuniões.
Reuniões que, aliás, estamos orientados a eliminar.
Faz parte do novo espírito, menos tempo fechados em uma sala, mais tempo executando.
Mas como sustentar uma liderança inspiradora, se não estamos conseguindo capilaridade nos processos?
O ERP veio com essa promessa.
Mas o Excel continua dominante.
E onde o sistema não alcança, surgem planilhas, grupos de WhatsApp, anotações improvisadas. Um ecossistema paralelo criado para tapar buracos que não deveriam existir.
Na nossa nova sede, sequer teremos impressoras espalhadas pelos setores.
Uma imposição coerente, moderna e até ecológica.
Mas como faremos para que a informação chegue onde precisa chegar, se a infraestrutura cultural ainda não conversa com a tecnológica?
A sensação é clara: é na governança que reside o grande desafio.
E, em meio a esse turbilhão, lá estou eu tentando resolver outra incompatibilidade: o plug do meu laptop não conecta com as tomadas.
Há uma ideia equivocada de que o líder resolve tudo.
E, do mesmo modo, que o ERP cumpra funções operacionais.
O líder pensa, visualiza, mobiliza, inspira; contudo, não sustenta sozinho o dia a dia da operação.
O ERP registra, controla, padroniza; no entanto, não traduz a complexidade do trabalho com seus problemas reais.
Esperar que o líder resolva tudo é tão ilusório quanto esperar que o ERP execute tudo.
São expectativas projetadas sobre entidades que operam em ontologias diferentes, em linguagens distintas e em tempos descompassados.
Diante disso, forma-se uma lacuna entre a liderança e a execução;
entre os ERPs e o fluxo de informações; entre a estratégia pensada e o que vivemos.
É nesse hiato que reside a imensa maioria dos problemas em uma organização.
Como consultores, vemos isso todos os dias. E desenhamos processos, muitas vezes complexos, apenas para tentar compensar essa fratura estrutural.
A boa notícia é que uma nova camada tecnológica começou a preencher esse espaço. Uma camada feita para traduzir, costurar, equalizar e não apenas registrar.
São as plataformas low-coad e no-coad.
A arte imita a vida.
E “administração é arte”, como afirmou Peter Drucker.
Em essência, não existe uma realidade única, linear e absoluta que sirva para todos os mundos de uma organização.
Cada camada liderança, governança, operação habita um modo próprio de existir. Como afirmava Humberto Maturana, biólogo da cognição:
“Cada sistema vive no mundo que ele mesmo especifica”.
É justamente por isso que mudar é tão diferente de transformar.
Mudamos de endereço, trocamos o CEO, instalamos um novo ERP, refinamos processos.
Mas a transformação é outra situação. É lenta, cotidiana. Sem muito alarde. Ela se infiltra nas crenças, nos significados, nos motivos profundos pelos quais fazemos o que fazemos.
Estamos diante de transformações sem precedentes, impulsionados por tecnologia, linguagem e conhecimento.
Mas a tecnologia, por si só, não transforma. Apenas oferece o terreno.
A verdadeira transformação acontece quando integramos o que pensamos ao que fazemos, quando conseguimos conectar áreas que habitam mundos muito diferentes, cada uma com sua lógica, seu tempo e sua linguagem. E essa realidade começa a surgir no mundo corporativo.
Façamos jus aos novos tempos!
Fontes
Metodologia proprietária da Otimiza Consultoria.
Experiências e vivências práticas em diferentes organizações.
Referências diversas da literatura de gestão empresarial.“Relato baseado em fatos reais. O(s) nome(s) mencionado(s) é (são) fictício(s), utilizado(s) com o propósito de preservar a identidade do(s) envolvido(s) e suas organizações.
